Palavra do Presidente
Ao analisarmos criteriosamente, o anúncio da saída da Ford do Brasil não é algo tão surpreendente.
A montadora americana, em seus mais de 100 anos de história em nosso país teve momentos de brilhantismo, porém também é verdade que enveredou por uma rota de declínio de participação de mercado desde os anos 80, acentuado no decorrer da década passada.
Em 2012 a indústria em questão respondia por 9,5% do mercado nacional de veículos, ocupando a quarta posição no ranking setorial. Já em 2020 (lembremos que a pandemia prejudicou todos os setores econômicos) a participação se resumiu a 5,8%.
Fiat, Renault, Hyundai, Honda, Toyota e várias outras marcas abocanharam o mercado da pioneira norte-americana e não havia indicativos de que tal declínio iria parar por aí.
Globalmente a Ford vem trabalhando há anos na mudança de foco dos seus produtos, priorizando as pick-ups e veículos icônicos, como o Mustang, ao invés dos carros mais comuns de passeio. A empresa também prepara sua entrada mais agressiva no mercado de veículos elétricos.
Em resumo, as plantas industriais brasileira não estão equipadas para automóveis pesados (ao contrário do que existe no Uruguai e Argentina), além de nossa indústria de propulsores e componentes elétricos ainda estar engatinhando no setor automotivo.
Tecnicamente, os motivos para a saída da Ford do Brasil parecem ser estes.
E politicamente?
Neste caso, como diz o jargão, o furo é mais embaixo e, com o perdão da repetição da palavra, furos é o que não faltaram nesta história.
Alguns deles:
– Historicamente o setor automotivo desenvolveu uma relação pouco saudável com os governos passados, na busca de incentivos, tendo como moeda de troca a garantia de manutenção quantitativa de empregos.
O correto seria pressionar por impostos menores e competir lealmente com os carros importados. O protecionismo é algo sedutor e até cômodo tendo, porém, como efeito colateral, o atraso tecnológico.
Eventualmente, algum tipo de subsídio temporário é até interessante para atividades produtivas inovadoras e com potencial de gerar grandes progressos econômicos e sociais em poucos anos.
Isto não tem relação alguma com as centenárias montadoras de veículos;
– Outro aspecto importante está no agravamento das deficiências educacionais brasileiras nas últimas décadas.
Mesmo mais “universalizado” atualmente, o acesso ao estudo púbico no Brasil é tão deficiente que um aluno comum que sai da escola raramente tem a base de conhecimento para executar cálculos simples, ou mesmo compreender o texto de um manual operacional de qualquer máquina.
Sem um mínimo de qualificação, é problemático exigir que empresas tenham a disposição de investir seriamente em tecnologias inovadoras;
– Finalmente, destacamos uma verdade que está sendo desacreditada por alguns grupos políticos inconsequentes: o Custo Brasil é algo que realmente coloca o nosso país em desvantagem quando se trata de produzir e empreender.
Portos arcaicos; estradas ruins e escassas; burocracia caríssima e complicada; leis que atentam contra o livre mercado; impostos e custo do crédito elevadíssimos; e vários outros aspectos são um árduo desafio para quem ousa desenvolver negócios em nosso país.
Avanços ocorreram nos últimos anos. Porém ainda há muito por se fazer.
Em síntese, até teríamos um pouco de razão ao nos sentirmos traídos pela saída da Ford do Brasil.
Entretanto, não podemos esquecer que muito da culpa pelo que está ocorrendo decorre de governos que adotaram políticas insistentemente desastrosas nas últimas décadas.
E a responsabilidade pelo insistente erro de acreditar em palavras vazias de políticos populistas é exclusivamente nossa, os eleitores.
Que tenhamos aprendido a lição. Os próximos anos serão reveladores neste sentido.
Vitor Augusto Koch
Presidente da FCDL-RS