A retórica política que desconstrói o país

23 de março de 2021
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Palavra do Presidente

 

Recebemos de terceiros carta aberta assinada por várias pessoas de grande influência no Brasil nos anos noventa e primeiros anos da década seguinte, com destaque para vários protagonistas do Plano Real.

O texto, escrito de forma elegante, elenca argumentos para concluir que o governo federal está dificultando o combate à pandemia.

Tomamos a liberdade de analisar individualmente as principais justificativas.

– A Carta Aberta afirma: “…pois a pandemia fez com que muitos trabalhadores deixassem de procurar emprego, levando a uma queda da força de trabalho entre fevereiro e dezembro de 5,5 milhões de pessoas.”

Ponderamos que de acordo com o CAGED, entre fevereiro e dezembro de 2020, o emprego formal brasileiro registrou um saldo positivo de 213.681 vagas.

Certamente, este número seria bem maior se vários governos estaduais e municipais não obrigassem às empresas a fechar suas portas entre abril e junho (no RS este prazo foi um pouco além), quando o emprego caiu em 1,4 milhão de postos de trabalho, se recuperando nos meses seguintes, muito em função de políticas públicas federais em favor da economia de mercado.

Em outro momento, a Carta Aberta menciona o peso do desemprego sobre a economia informal.

Lembramos, então que estes “informais” foram beneficiados com o auxílio emergencial, o que gerou enorme efeito positivo de renda na sociedade nacional, entretanto, não podia ser fornecido permanentemente, pois isto significaria a falência das contas públicas do país, além de ser algo eticamente não recomendável.

– A Carta Aberta afirma: “Em torno de 5% da população recebeu ao menos uma dose de vacina, o que nos coloca na 45ª posição no ranking mundial de doses aplicadas por habitante…”

Ponderamos que a medida em questão não é das mais adequadas.

O Brasil é um país com cerca de 210 milhões de habitantes e está sendo comparado com nações com população e territórios muito menores e por isto mesmo com logísticas muito mais simples.

O único país com mais de 100 milhões de habitantes que está entre os 10 primeiros lugares no ranking em questão é os EUA, cujo posicionamento positivamente diferenciado em seu desenvolvimento econômico explica tal adiantamento em relação ao mundo.

A medida mais adequada no caso brasileiro é o número absoluto de vacinados.

Neste caso, ocupamos a 5ª posição global, segundo levantamento da Universidade de Oxford.

Claramente, seria desejável estarmos mais adiantados do que as 13,56 milhões de doses já aplicadas.

Contudo, o fornecimento da vacina está limitado à capacidade produtiva das indústrias farmacêuticas diante de um medicamento novo, o que é um problema limitando em quase todo o mundo.

– A Carta Aberta afirma: “Os recursos federais para compra de vacinas somam R$ 22 bilhões, uma pequena fração dos R$ 327 bilhões desembolsados nos programas de auxílio emergencial e manutenção do emprego no ano de 2020…”

Ponderamos que o governo federal “só gastou” R$ 22 bilhões porque foram estes os recursos até agora exigidos para a compra de vacinas.

Certamente, na medida em que forem fechados mais contratos de fornecimento, este montante aumentará e não tem relação nenhuma com os R$ 327 bilhões utilizados no auxílio emergencial, que por sinal, evitou um enorme flagelo social no Brasil.

– A Carta Aberta afirma: “Em 1992, conseguimos vacinar 48 milhões de crianças contra o sarampo em apenas um mês”.

Ponderamos que esta é uma comparação muito infeliz. A vacina contra o sarampo é conhecida há décadas e o surto de 1992 não foi global como a pandemia atual. A aquisição do medicamento foi muito mais simples.

– A Carta Aberta afirma: “A insuficiente oferta de vacinas no país não se deve ao seu elevado custo, nem à falta de recursos orçamentários, mas à falta de prioridade atribuída à vacinação.”

Ponderamos que a afirmativa não condiz com a realidade. No dia 19 de março o governo federal oficializou a compra de mais 138 milhões de doses de vacinas da Pfizer e Janssen para serem distribuídas a partir de abril. De acordo com o ex-ministro (ainda em transição) Eduardo Pazuello, o Brasil tem 562 milhões de doses contratadas para 2021.

Ficou claro que a demora inicial da compra dos medicamentos ocorreu em função da espera de aprovação por parte da ANVISA e adequações ao complicado Direito Público brasileiro.

– A Carta Aberta afirma: “Em paralelo, não devemos adiar mais o encaminhamento de uma reforma no sistema de proteção social, visando aprimorar a atual rede de assistência social e prover seguro aos informais”.

Ponderamos que o auxílio emergencial foi utilizado em função da sensibilidade das autoridades federais em função da excepcionalidade de situação criada pela pandemia.

Contudo, entendemos que a proposta vitoriosa nas eleições presidenciais de 2018 foi a de liberalização da economia, focando na redução de impostos e diminuição do tamanho do Estado.

Aumentar o assistencialismo seria sinônimo de necessidade de elevação da carga tributária e consequente piora no crescimento da economia do Brasil, paradoxalmente, uma das outras críticas da “Carta Aberta” em análise.

– A Carta Aberta afirma: “…Com o agravamento da pandemia e esgotamento dos recursos de saúde, muitos estados não tiveram alternativa senão adotar medidas mais drásticas, como fechamento de todas as atividades não-essenciais e o toque de recolher à noite. Os gestores estaduais e municipais têm enfrentado campanhas contrárias por parte do governo federal e dos seus apoiadores.”

Ponderamos que a União repassou aos estados e municípios o montante de aproximadamente R$ 420 bilhões entre o início da crise sanitária e 15 de janeiro de 2021, de acordo com o Portal da Transparência do Governo Federal.

A cifra é inédita na história brasileira e envolve suspensão de dívidas estaduais, transferências já previstas para estados e municípios, benefícios aos cidadãos e saúde – incluindo o combate ao COVID 19.

Esta última rubrica somou R$ 96,3 bilhões. Lembramos também que em abril de 2020 o Supremo Tribunal Federal limitou os poderes da presidência da república na coordenação nacional da pandemia (não pode interferir nas determinações estaduais e municipais sobre regras de isolamento social, incluindo o fechamento das atividades produtivas).

Uma vez que a operação hospitalar de saúde pública é atribuição dos estados e municípios, pouco resta à União além de repassar recursos e coordenar a aquisição e distribuição de vacinas, o que realmente está acontecendo.

– A Carta Aberta afirma: “É urgente que os diferentes níveis de governo estejam preparados para implementar um lockdown emergencial, definindo critérios para a sua adoção em termos de escopo, abrangência das atividades cobertas, cronograma de implementação e duração.”

Ponderamos que a prática de “lockdowns” indiscriminados não tem mostrado resultados satisfatórios no controle da pandemia.

Preferimos falar em distanciamento social ao invés de isolamento social.

No primeiro caso, as atividades produtivas que não geram aglomerações são preservadas, respeitando protocolos de eficácia comprovada como uso de máscaras adequadas, distância mínima de 2 metros entre as pessoas e higienização.

Contra eventuais acúmulos de pessoas em locais públicos e privados, lamentavelmente somos obrigados a defender o uso do poder de polícia em nome da saúde pública.

– A Carta Aberta afirma: O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração, e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país.

Ponderamos que a experimentação faz parte do processo científico.

As próprias vacinas são ainda consideradas experimentais (fabricantes se eximem de prováveis efeitos colaterais).

Vários grupos de médicos se manifestam a favor de tal prática e fica claro que ainda não há unanimidade no tratamento contra a COVID-19.

Em defesa com o “flerte com o movimento antivacina” atribuído indiretamente ao Presidente da República, pelo que observamos a partir das informações oficiais, o Sr. Jair Bolsonaro se limitou a apoiar as vacinas aprovadas pela ANVISA, o que revela, isto sim, o respeito à autonomia da agência reguladora em questão.

Por fim, é importante esclarecer que durante toda esta recente, porém sofrida história da pandemia em foco, todos os principais atores cometeram erros.

A Organização Mundial de Saúde errou; líderes globais erraram; médicos erraram; economistas erraram; advogados erraram; e assim por diante.

Inicialmente, todos estes equívocos são perdoáveis, uma vez que a intenção era (ou deveria ser!) acertar para vencer o Coronavírus.

Entretanto, é lamentável que um debate que deveria se restringir a encontrar as melhores diretrizes sanitárias, se transformou em instrumento de retórica política de baixo padrão.

 

Vitor Augusto Koch

Presidente da FCDL-RS

 

 

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